Conhecimento, pedra e água

Ao longo da história, crenças e valores foram talhados em pedras. A consistência da matéria foi sincretizada ao verbo e, como por encanto, as verdades e certezas surgiram. Simbolicamente a pedra se tornou receptáculo do conhecimento e do poder, um elemento natural capaz de eternizar mandamentos e leis.
Não foi por menos que a “pedra filosofal” tornou-se o fetiche dos alquimistas medievais e inspirou a literatura infanto-juvenil contemporânea. Do culto hippie à cultura pop, rochas e cristais são capazes de predizer o futuro, influenciar o humor e armazenar o conhecimento de uma civilização inteira. Kal-El, antes de ser enviado à Terra, recebeu de seu pai Jor-El um cristal que continha todo o conhecimento do planeta Krypton. Da ficção norte-americana para a realidade, uma equipe de cientistas da Universidade de Southampton, com o emprego de nanotecnologia, desenvolveu um artefato de cristal capaz de armazenar 360 Tera Bytes de informações digitais e resistir a 1000 graus Celsius. Eis o poder da tecnologia que deslumbra a sociedade pós-moderna. Ocorre que o fascínio da técnica bloqueia nossa percepção sobre a dimensão humanista do conhecimento.
Conhecimento objetificado em pedras ou cristais, em si, não representa nada sem e elemento humano (o “quinto elemento”). Há muito não usamos pedras como suporte para a palavra escrita, mas ainda acreditamos em um conhecimento mensurável que pode ser armazenado. Não percebemos que o conhecimento é um fenômeno além de qualquer técnica, quantificação ou positivação. Neste sentido, o conhecimento não é rígido como a pedra, mas fluido como a água.
Pensar no conhecimento como um fenômeno fluido, sem forma, dimensão ou consistência específica é um dos maiores desafios do mundo contemporâneo. Para muitos parece impossível aceitar este sentido. Isto porque, aparentemente, o conhecimento é “um objeto”, afinal, vivemos em uma realidade onde praticamente tudo é transformado em mercadoria, até o pensamento. No passado, o conhecimento foi esculpido na pedra e obteve consistência para legitimar a força e o poder. Na atual “sociedade da informação” ele é fragmentado, encapsulado em “pacotes de bytes” e vendido a quilo no varejo. Mudamos alguma coisa?
O valor do conhecimento não pode ser revelado a partir de uma “essência” positivada, isto porque, de fato, não existem essências que possam ser extraídas de pedras, cristais, livros, microchips ou da mente. Pensar no conhecimento como um “fenômeno”, é pensar na interação entre seres humanos e destes com os demais seres e elementos da natureza. Neste paradigma, o valor do conhecimento se opera a partir das relações. Valorizar as relações (o conhecimento enquanto relação) é valorizar a própria existência humana.
Prof. Alejandro Knaesel Arrabal

3 de junho de 2014

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