O emprego da voz passiva e da terceira pessoa do singular são recomendações muito frequentes nos manuais de metodologia e redação científica. Observe esta frase:
“Eu identifiquei uma falha”
Do ponto de vista linguístico, “Eu” indica o sujeito que está na primeira pessoa do singular. O verbo “identifiquei” descreve uma ação promovida pelo sujeito “Eu” em relação ao complemento da oração “uma falha”. Portanto, o verbo da oração encontra-se na voz ativa.
Na voz ativa, a ação é praticada pelo sujeito, ele é o agente do processo verbal. Na voz passiva, o sujeito recebe a ação verbal. Veja esta outra frase:
“Uma falha foi identificada pelo pesquisador”
Aqui há uma inversão em relação à frase anterior. O que era sujeito “Eu” passou a ser agente, agora na terceira pessoa do singular “Ele”, o “Pesquisador”. O que era complemento do verbo na voz ativa “uma falha”, passou a ser sujeito da voz passiva, sob o qual incide a ação verbal “foi identificada”.
A justificativa para isto é despersonificar o texto científico, afastar o sujeito (especialmente suas características individuais) da investigação e dos resultados da pesquisa. Contudo, esta orientação é calcada em um paradigma determinista atualmente combatido. Neste sentido, observe as considerações de Rodrigues (2008, p. 67):
A voz passiva era um padrão na literatura científica anos atrás. [...] A ideia então passou a ser que não há separação entre objeto de pesquisa e pesquisador e a voz passiva criaria uma impressão errônea de imparcialidade absoluta [...] É comum encontrarmos críticas a esta arrogância científica, baseadas no Princípio da Incerteza de Heisenberg. [...] Quando o antropólogo Levi-Strauss andava pelo interior do Brasil na década de 30, o simples fato dele pisar em uma tribo indígena, mudava sua natureza. [...] É possível encontrar maneiras pelas quais a observação influencia o observado em todas ciências. [...] Não se trata de uma falha do método científico, [...] devemos prestar atenção na influência que a observação pode ter no observado [...] as escolhas todas envolvidas em um trabalho acadêmico expressam uma visão do autor; querer esconder isto atrás de uma voz passiva não parece honesto. De todo modo, mesmo que libertos da exigência da voz passiva, é recomendável uma certa neutralidade, porque a ausência dela pode dar a impressão que você escolheu uma resposta de antemão.
Portanto, considere estas recomendações estritamente como um esforço de adequação do discurso científico e, como tudo na vida “aplique com moderação”.
Prof. Alejandro Knaesel Arrabal
Prof. Alejandro Knaesel Arrabal
REFERÊNCIA
RODRIGUES, Efraim. Histórias impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores. Londrina: Planta, 2008 (http://www.praticadapesquisa.com.br/2011/01/historias-impublicaveis-sobre-trabalhos.html)
Veja também: Como escrever como um cientista
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